E as crianças, senhores?

No Público de sábado, dia 29 de Setembro, sob o título "E a criança, senhores?", a sempre muito lúcida e pertinente São José Almeida afirma, a propósito do caso "Esmeralda", menina de cinco anos envolvida numa disputa de custódias, que "parece ser dado como adquirido que, em Portugal, o interesse da criança é uma prioridade garantida pela lei." Mais abaixo, interroga-se: "Que país é este em que se cria uma histeria quase generalizada à volta do desaparecimento de uma criança, mas em que é possível que uma outra criança esteja até aos cinco anos de idade à espera de saber a quem vai, de facto, poder olhar como referência de enquadramento social?"
Com efeito, parece que vivemos num país em que o discurso sobre a infância e a prática quotidiana estão em clara dissonância. Ao mesmo tempo que os fundamentalismos sobem de tom sempre que uma criança é vítima de algum tipo de violência - naquilo que, por vezes, cheira a má-consciência - permitimos que as nossas criança convivam diariamente com situações verdadeiramente indignas. Outro tipo de violências - mas violências, ainda assim. Ao dizer isto refiro-me ao estado deplorável em que se encontra boa parte do parque escolar do 1.º Ciclo. Se dúvidas houvesse, o arranque deste ano lectivo veio provar que o 1.º Ciclo é o "parente pobre" do ensino em Portugal. Além das dezenas de acções de protesto de populares, um pouco por todo o lado, um estudo da Deco veio provar o que já (quase) todos sabíamos. (acrescento o "quase" porque, pelos vistos, ainda há quem não viva neste mundo e tivesse mesmo afirmado que "a Deco se anda a promover à custa da educação", o que constitui uma das tiradas mais cómicas do ano...).
Pessoalmente, como pai de uma criança que este ano iniciou a sua caminhada escolar numa escola pública, não estava preparado para tanta escassez, tantos problemas. Nem consegui sorrir quando me pediram cinco euros para comprar... papel higiénico. Não sei de quem será a culpa do estado de coisas. Mas parece-me que a encruzilhada de competências em que vive este ciclo de ensino não lhe é nada favorável. Nem sequer creio que o actual executivo tenha grandes responsabilidades no assunto. Em dois anos não se pode remediar o que se arrasta há tanto tempo. Porém, não consigo deixar de pensar na imensa hipocrisia dos discursos sobre os "direitos da criança" quando todos os dias permitimos que os nossos filhos passem tantas horas em ambientes degradados - como aquele caixote com cerca de 20 metros quadrados, a que eufemisticamente chamamos contentor, em que, amargurado, deixei o meu filho no primeiro dia de aulas. Ironicamente, nesse mesmo dia, fui informado que, na sala onde lecciono a maioria das minhas aulas, iria em breve ser instalado um fantástico quadro interactivo. Fiquei contente. Maravilhoso mundo novo. Bendito plano tecnológico.
(No entanto, devo confessar, ainda não consegui deixar de pensar que o meu filho vai passar sete horas por dia metido num caixote com 20 metros quadrados... Mas hei-de habituar-me à ideia. A gente habitua-se a tudo, não é verdade?)

Correio da Educação

O "Correio da Educação" é uma publicação pela qual o autor deste blogue nutre um carinho especial uma vez que, há cerca de oito anos, colaborou no seu nascimento. O ano e meio em que tive o privilégio de trabalhar com o Matias Alves foram pessoal e profissionalmente muito enriquecedores. Na altura, o CE era uma pequena brochura, com apenas quatro páginas A4, que todas as semanas ia ao encontro de cerca de três mil assinantes. Hoje é um boletim electrónico e continua atento ao mundo da educação em todas as suas vertentes. Os textos do seu director são sempre inspiradores e motivo suficiente para uma visita regular. Para mim, muitas vezes, funcionam como balões de oxigénio quando o ânimo e a crença na tarefa docente andam por baixo. Ou a escrita do Matias não fosse, como aparece no seu Terrear, dedicada "a quem ainda não desistiu de inventar dias mais claros".

Nota: O Matéria Dada é um blogue que, nos curtos intervalos da "vida a sério", vou mantendo tão despretensiosamente que nunca o publicitei senão a dois ou três amigos. Foi pois com espanto que deparei com a referência ao mesmo no número 307, de 1 de Outubro, do CE. Agradeço o destaque, embora desconfie não estar à altura da "pressão" de muitos olhares. O melhor talvez seja continuar como até aqui: descontraidamente, deixando que a "matéria" se transforme em luz.

Relatório OCDE sobre Educação - 2007

No relatório de 2007 da OCDE sobre a educação é possível confirmar algumas afirmações recentes de responsáveis políticos, mas também se desmontam alguns mitos.
Por exemplo: os professores em final de carreira ganham relativamente bem; o tempo despendido na escola pelos professores é relativamente baixo (como os dados se reportam ao ano de 2005, pode afirmar-se que, ironicamente, o escasso tempo passado na escola se deve principalmente aos que ganham "relativamente bem", por via das reduções horárias...). Mas há um mito que parece cair por terra neste relatório: os gastos globais com a educação não-superior em Portugal estão abaixo da média da OCDE.
Em suma: parece que os professores no início e meio de carreira terão de pagar a factura do "forrobodó" que imperou durante muitos anos nas escolas portuguesas...
Quer-me parecer que esta lógica se pode estender a todo o país: os que têm menos de - digamos - 50 anos vão pagar fortemente o luxuoso banquete que os seus pais encomendaram nos anos 80 e 90.

A factura virá depois

Notou-se no debate [Prós e Contras, sobre educação] uma ausência de realidade. É evidente que ninguém conhece toda a realidade e não há evidências empíricas que se possam universalizar. Mas tenho para mim que o Ministério conhece a realidade pelo que lhe reportam as estruturas regionais e os papéis que recebe. E o mapa cor-de-rosa que possui pode estar bastante longe de muitos dos contextos reais. A profissão docente é hoje (de forma tendencial) muito mais penalizadora, muito mais intensa, complexa e mais destrutiva, muito mais 'mortal'. E a prazo alguém vai pagar a factura. É certo que "as coisas" vão funcionando, vão "avançando".... mas muito na lógica do "faz-de-conta" e da aparência. Porque no fundo, no fundo só uma política inspirada na implicação, no apoio, no fazer gerar vontades, na celebração autêntica e verdadeira pode gerar resultados duradouros...
Matias Alves, terrear
A factura será paga dentro de poucos anos - quando as escolas tiverem um corpo docente envelhecido, cansado, descrente, injustiçado, vigiado ao mais ínfimo pormenor e que não se sente reconhecido. Em suma - "morto". Para mim, há uma verdade límpida: um professor não é um fabricante de sapatos, o entusiasmo que coloca naquilo que faz é um factor essencial para a qualidade dos seus resultados.

Learning 2.0 Conference

Vai começar amanhã e decorre até dia 16, na cidade chinesa de Shanghai , a Learning 2.0 Conference sob o tema "Communication, Collaboration, Connection". No sítio da Web dedicado à mesma, pode ler-se:

Doing “school” is changing more rapidly all the time. Technology is certainly one factor in these changes in education, the workplace, and life in general. As a result of innovations that we have all observed, students are more visually orientated and are considered digital natives to a growing degree. Educators see the implications of this and a need to re-define good teaching in response to this more dynamic environment. All agree that we must all expand our teaching/coaching/collaboration skills. Come join the search as we together build the future of schools.
O slide show abaixo pode dar uma ideia do que por lá se falará...


Edutopia

O conhecido produtor de cinema George Lucas também tem a sua faceta filantrópica e, em 1991, criou a Edutopia , uma fundação para promover a inovação escolar, que no seu sítio se apresenta do seguinte modo:

The George Lucas Educational Foundation (GLEF) was founded in 1991 as a nonprofit operating foundation to celebrate and encourage innovation in schools. Since that time, we have been documenting, disseminating, and advocating for exemplary programs in K-12 public schools to help these practices spread nationwide.
We publish the stories of innovative teaching and learning through a variety of media -- a magazine, e-newsletters, DVDs, books, and this Web site. Here, you'll find detailed articles, in-depth case studies, research summaries, short documentary segments, expert interviews, and links to hundreds of relevant resources. You'll also be able to participate as a member of an online community of people actively working to reinvent schools for the twenty-first century.
O sítio da Edutopia tem muitos recursos para quem se interessa pelo cruzamento da educação e da tecnologia. Veja-se, como exemplo, o slideshow intitulado Technology Integration in Science.

(Onde se pode ler nos comentários de um dos slides:
In the most stimulating classrooms, teachers have changed their role from one of absolute and only authority to a shared experience in which teachers are learners as well. And since students often know more about the new technology tools than adults, allowing them to teach their teachers as well as their peers provides a powerful model of lifelong learning.
Gosto desta frase porque me remete para a melhor definição que conheço de "sala de aula" - comunidade aprendente. E, se isto soar demasiado "eduquês" a algumas almas mais cartesianas, só posso lamentar...)

O Mundo não é um Brinquedo

Muito interessante este texto do Phillippe Meirieu que se pode encontrar no Terrar. Devia ser de leitura obrigatória para muitos pais que insistem em escolher "a dedo" a escola e a turma dos seus filhos, impedindo-os, desse modo, de crescer. Excertos:

A escola, precisamente, tem como missão ensinar à criança que a família, eminentemente necessária para o seu desenvolvimento, não é – não pode ser – o seu único universo de referência.
É, com feito, na escola que descobrimos que outros meninos vivem de forma diferente. Que aprendemos que os pais não reagem todos da mesma maneira. Que as sanções e as recompensas não são as mesmas. Que não se crê, em todo o lado, nos mesmos deuses. Que as preocupações de uns não são as mesmas de outros. E que as opiniões de uns não são os pontos de vista de todos.
O que, na realidade, caracteriza a turma na escola da República é que os seus membros não se escolhem e o seu encontro é aleatório. Podemos ter ao lado amigos, grupos de pertença, convicções, simpatias… Mas nada disto deve ser um critério de constituição de uma turma. Pois vamos à escola para aprender em conjunto… aprender sem sermos escolhidos!
(...) É uma empresa difícil libertarmo-nos, assim, do círculo da família. Uma história que começa no dia do primeiro dia de aulas… e que continuará por muito tempo, para lá da “escolinha”.

Doutor(and)ices

Em documentos de uma doutoranda sobre critérios de avaliação, apanhei as seguintes frases:

"Correcta aplicação no domínio da língua materna."
"Aspecto estético e qualidade técnica."
Não digo mais nada hoje. Vou triste para a cama. Só espero fazer uma "correcta aplicação no domínio do sono" e, amanhã de manhã, acordar com um "aspecto estético" aceitável...
Boa noite.

Plano Tecnológico para a Educação

Podcast: a Web 2.0 e o impacto que pode ter na educação

Basta clicar no triângulo azul para ouvir o podcast (que é apenas um ficheiro em .mp3) - ou descarregá-lo e ouvir num leitor de mp3 (por que não?...)

Students are increasingly becoming familiar with using social networking and other interactive web services such as Facebook, MySpace, Flickr and YouTube. This phenomenon has important implications for educational institutions as students increasingly expect such services - or at least aspects of such services - to be mirrored in the delivery of courses.

In this podcast, JISC's Lawrie Phipps and Dave White from the University of Oxford speak about the impact such technologies - commonly gathered under the umbrella term 'Web 2.0' - are having on education and research and how institutions can harness them meaningfully and effectively in support of their students.

[Retirado de Joint Information Systems Committee (JISC)]

Avaliar, avaliar, avaliar

Só mais uma sobre o último número da Página da Educação:

A avaliação pode ser um poderoso meio de melhoria generalizada das práticas escolares e, consequentemente, das aprendizagens dos alunos. O problema é considerar-se que qualquer avaliação é, em si mesma, uma coisa boa, sem cuidar de perceber que ela não substitui o árduo e difícil trabalho pedagógico dos professores nem os esforços dos alunos para vencer problemas de aprendizagem. É preciso compreender que a avaliação, por si só, não resolve problema rigorosamente nenhum! Uma boa avaliação ajuda-nos a compreender melhor uma dada realidade e pode contribuir para a melhorar e para a transformar. Mas teremos sempre que reconhecer os seus limites e perceber a relevância da utilização que fazemos dos seus resultados. Receio que a avaliação se banalize no pior sentido e se transforme num mero procedimento de controlo burocrático-administrativo, em vez de um poderoso e exigente processo de regulação e de melhoria. E também receio que a avaliação e os avaliadores se tornem numa espécie de juízes, acima de qualquer suspeita e de qualquer escrutínio… Sem quaisquer limites.
Domingos Fernandes; Jornal "a Página" , ano 16, nº 170, Agosto/Setembro 2007, p. 35.

Desigualdade digital

Ainda a propósito do último número da Página da Educação a que se fez referência no post anterior, registe-se o breve artigo de José da Silva Ribeiro - Tecnologias digitais para a inclusão social - que nos fala da ênfase que se deve atribuir, já não à exclusão digital, mas à "desigualdade digital" [sublinhados meus]:

Investigadores e estudiosos da Internet como DiMaggio e Hargitai propõem que, na era da grande massificação da Internet e das tecnologias digitais, a focalização desta questão se mova da exclusão digital para a desigualdade digital. A desigualdade para estes autores abrange cinco variáveis principais:
a) meios técnicos – desigualdades relacionada com o acesso à banda larga,
b) autonomia – conexão no trabalho ou em casa, monitorizado ou não, tempo limitado ou livre, etc.
c) conhecimento, habilidade e competências - como pesquisar, baixar e utilizar informação ou a utilização dos artefactos digitais actualmente disponíveis,
d) apoio social – orientação ou aconselhamento por usuários mais experientes,
e) intenção – razões da utilização da Internet e das tecnologias digitais: aumento da produtividade, melhoria do capital social, consumo, entretenimento, aprendizagem, etc..

Página da Educação

A Página da Educação de Agosto/Setembro, que se pode consultar gratuitamente na Net (aqui em .pdf ou aqui em .html), parece ser um número que vale bem a pena. Deixo aqui apenas os títulos de primeira página:


  • Que iremos fazer com aquilo que nos deixam ser? Que mudanças e mentiras podem os professores aceitar? Impasses e desafios na profissão docente.

  • Digital - a revolução que gera excluídos.

  • Avaliar e examinar é o que está a dar.

  • "A escola já não ensina e perdeu espaço para educar". (entrevista com o psiquiatra Manuel Freitas Gomes).

Mais autonomia, s.f.f.

Com a devida vénia ao Matias Alves, do Terrear, transcrevo na íntegra o post "O poder das periferías e dos actores":

Sabe-se, com uma elevada dose de certeza, que são as escolas (os contextos específicos e as pessoas na acção organizada) que comandam o ritmo, o sentido, a geografia e gramática das mudanças. Que são as periferias que controlam o centro (político e administrativo). Que são os actores que reformam as reformas iluminadas centralmente concebidas e mandadas aplicar em todos os contextos.
Sabe-se que a Inspecção tem poucas condições para inspeccionar o que realmente importa. Que a Administração central e regional apenas detém um poder meramente formal e que se alimenta da ilusão de que os relatórios são o espelho do real.
Vivemos num imenso simulacro governado pela lógica do sistema (sem rosto, maquinal, burocrático, insensível). A principal causa do nosso atraso. E o grave é que quase ninguém vê. Desenham-se políticas e impõem-se regulamentos próprios do século passado. Passados. Inertes.
Apenas acrescentaria que, quando a realidade é esta (e é!), o melhor a fazer não é tentar controlar o que não se pode controlar - o melhor é confiar nos agentes (nos actores) e proporcionar-lhes uma efectiva autonomia.
Uma política do século passado é uma política que desconfia da capacidade dos cidadãos em resolver os seus problemas e acha que pode intervir no chão do quotidiano a partir das nuvens...

Hábitos online dos jovens

Mais uma vez, a partir do sempre exemplar Ponto Media, o António Granado aponta um estudo feito nos States sobre como é que os jovens estão a utilizar a Internet [documento em .pdf]. Não é de estranhar que, em frente do computador, a malta é muito menos passiva do que diante da TV, como se pode ler neste extracto da introdução:

Nine- to 17-year-olds report spending almost as much time using social networking services and Web sites as they spend watching television. Among teens, that amounts to about 9 hours a week on social networking activities, compared to about 10 hours a week watching TV.
Students are hardly passive couch potatoes online. Beyond basic communications, many students engage in highly creative activities on social networking sites — and a sizeable proportion of them are adventurous nonconformists who set the pace for their peers.