Só quem não dá aulas (ou o faz distraidamente) é que não percebe que, havendo exames com intuitos classificativos e implicação directa nas opções profissionais dos alunos (e não como simples processos de aferição das aprendizagens, como deviam ser...), necessariamente se introduz um efeito perverso no interior da sala de aula que inquina todo o processo de ensino-aprendizagem, transformando-o num treino de "cães amestrados" e arredando todo e qualquer pensamento crítico sobre os conteúdos que são objecto de estudo, deste modo desvirtuando a função primordial da educação. (É claro que esta discussão também é ideológica: sabemos bem a quem interessa formar "bons trabalhadores" e detrimento de "cidadãos com espírito crítico"...)
Para quem, ao arrepio do pensamento (quase) único, não se conforma com a existência de Exames Nacionais nos moldes actuais, é reconfortante ler este texto de Palmira F. da Silva, no De Rerum Natura, onde esta professora, apesar de não discordar da existência de exames, enuncia claramente alguns dos seus efeitos perversos. Apenas algumas frases:
(...) Mais concretamente, na afirmação produzida nos segundos finais do minuto 4, a ministra destaca como muito positivo o «treino» dos alunos na resolução de provas: «Treinando os alunos para o exame. É muito importante treinar os alunos para o exame».
Fico horrorizada com esta assumpção cândida e pública do que parece ser o objectivo do ensino no secundário para o ME: treinar os alunos para terem bons resultados nos exames, transformando-os em «máquinas» de decorar resoluções de exercícios sem perceberem minimamente os conteúdos subjacentes, conteúdos que já de si deixam muito a desejar.
Treinar os alunos para exames é mau, porque dá a ideia de que o importante não é desenvolver capacidades cognitivas mas sim mecanizar resoluções sem pensar muito sobre elas. É especialmente mau porque os alunos são «formatados» nestas resoluções sem desenvolverem pensamento autónomo e crítico.
2 comentários:
Tenho batido (e voltarei a bater) nisso de treinar os alunos para os exames. Mas tinha-me escapado essa afirmação da própria ministra na entrevista: "É muito importante treinar os alunos para o exame". Eu já nem fico horrorizada, já só penso é que só neste nosso país é possível manter uma ministra da educação que diz as coisas que diz.
(Não reparei, na entrevista, porque me detive, abismada, na relação que a ministra estabeleceu entre o Plano de Acção para a Matemática, que foi só para o Básico, com os melhores resultados do 12º ano)
Das duas, uma: ou quase toda a gente neste país anda desinteressada, desatenta ou despreocupada com o nosso sistema educativo, ou quase toda a gente anda cega e incapaz desse pensamento crítico referido no final do texto que transcreves.
Que tristeza! :(
Apesar de tudo, Isabel, apesar do forte ataque às nossas condições de trabalho, apesar do aperto financeiro a que ficaremos sujeitos, apesar da tentativa de amesquinhamento do nosso estatuto, real e simbólico, apesar de tudo isto - o que mais me custa é a hipocrisia do discurso. A afirmação pública de que se vai a uma coisa quando todos percebemos que o verdadeiro objectivo é outro. Isto é que me revolta. Sei bem que muitos acham que "este jogo" é inerente ao modus operandi da política. Mas não tenho que me conformar com a realidade...
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